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Fazer compras em shoppings e lojas de grandes redes, por vezes internacionais, significa – na maioria dos casos – não ter suspeita de quem colocou as mãos na massa para produzir um vestido ou um sapato, por exemplo. Também é raro poder saber como os produtos são elaborados: como é produzido um molho de tomate industrial? Ou por quais processos passam as manteigas vendidas nos supermercados?

 

Nas feiras especializadas em economia criativa e consumo consciente não é assim. Uma particularidade, e atrativo, dos mercados especializados é a possibilidade de comprar diretamente de quem produz e, assim, ter a oportunidade de conhecer a história do produto direto da fonte. É possível conversar com quem esteve presente desde os primeiros passos da criação  até o momento da venda, uma vez que muitos dos vendedores são os próprios produtores.

 

Entre os tantos inscritos a cada edição dos bazares e mercados, são estes os pequenos criadores requisitados pela organização das feiras: profissionais em busca de um contato mais pessoal com o consumidor, além de autores de um trabalho inovador e responsável. Em mesa-redonda da primeira edição do evento Mercado das Indústrias Criativas do Brasil (MicBR), que ocorreu entre os dias 5 e 11 de novembro, José Roberto Giffoni, um dos organizadores da feira Sabor Nacional, contou sobre a criação do projeto e a busca pelos expositores ideais: “No mundo inteiro, o consumidor está buscando sustentabilidade, está buscando consumir de alguém que está próximo. Então a gente foi atrás disso. Por que não trabalhar com os pequenos produtores aqui no Brasil? Tem uma gama infinita de produtos. A gente não tinha ideia de quanta gente boa está fazendo coisas legais pelo país. Ficamos bem surpresos de ver isso”.  

 

Na galeria a seguir, conheça alguns dos pequenos produtores que expõem seus produtos nas feiras de nicho:

Passe o mouse sobre as imagens e leia sobre os produtores e suas marcas. fotos: André Seiti

ENTREVISTA: KIKAps PAPERS

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O miniateliê de carimbos e cadernos customizados Kikaps Papers nasceu em meados de 2015. Kika, a artista-produtora que dá nome à marca, era na época produtora de foto. Trabalhava em revistas e via, pouco a pouco, o cenário do impresso perder força. Na busca por uma nova atividade, ela acabou na encadernação e hoje faz sucesso em diversas das feiras de economia criativa e consumo consciente. Conheça um pouco de sua trajetória e da experiência de participar de feiras de nicho.   

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Como surgiu a marca Kikaps Papers?

Eu estava numa inquietude... O que eu fazia estava acabando e então passei a procurar coisas para fazer, coisas que me movessem. Comecei a fazer um monte de cursos. Fiz vários e adorei encadernação. Lá eu descobri alguns tipos de caderno que eu gostava de fazer. Fazia direto, eram uns cadernos lindos. Era tipo presente para amigo, essas coisas, e eu levava uns carimbos meus também. Mas aí todo mundo começou a pedir para comprar e comecei a produzir.

 

No começo eu fui resistente ao carimbo. De tanto que me pediam, eu pensei em revender. Então entrei em contato com duas marcas que eu achava legais. Uma delas me respondeu que eu era muito pequena e não iam fazer atacado para mim. A outra falou que topava, mas não ia fazer preço de atacado. Então comecei a fazer e foi dando certo até que percebi que não conseguiria crescer se continuasse nesse preço. O que eu ganhava não pagava nem a inscrição das feiras. Comecei a procurar outros fornecedores e consegui um incrível que viu que tinha potencial e ajudou a me alavancar.

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Como é o processo de fazer os carimbos?

Eu faço apenas alguns desenhos, porque não sou ótima. Os outros eu compro: eu assino um database com desenhos retrô – uma coisa que gosto muito – e mais duas bases americanas de ilustradores. Dou uma editada no computador e mando fazer. Mas eu sempre testo tudo. Penso em um tamanho de desenho, mando fazer um e quando chega decido se vou fazer mesmo, se vou mudar, enfim.

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Como foi a primeira feira que participou?

Uma amiga minha fazia camisetas de futebol, inteligentes e tudo mais. Ela ia participar do Bazar Ógente e ficou insistindo para eu ir com ela, dividir a inscrição para não ficar caro, já que eu estava começando etc. Foi em cima da hora, então eu não tinha quase nenhum produto. Só uns cadernos que amo, feitos com papel marmorizado. São lindos, mas são mais caros, para quem realmente gosta de encadernação. Lá fui eu com esses cadernos “descolè”, e só vendi um.

 

Todo mundo ficou com dó, mas eu dizia: “Gente, para mim foi ótimo”. Eu entendi o que era estar em uma feira. Aprendi um pouco: como você se posiciona, o que você precisa levar, como tem de pensar. Não é só levar um monte de coisa. Tem de entender como chegar na pessoa que está na sua frente. Por que elas param para ver o seu produto? O que você tem de diferente do outro que faz a mesma coisa? Acho que isso é importante na feira.

 

Como foi entrar no mundo das feiras?

No início minha estratégia era participar de todas que eu achava legal, tentar entrar em todas para descobrir onde estava o meu público. Porque eu entendi que as pessoas não sabem para que usar um carimbo, mas elas querem. É uma coisa que traz um pouco de infância, do trabalhar com o lúdico. Não era um produto difícil, mas também não era fácil. Então eu ia em todas as feiras que eu achava bacana. Banquei por muito tempo, trabalhei no vermelho para poder entender. Foi um investimento. Hoje eu sei quais são as que eu não posso deixar de ir, claro, se eu quiser estar perto do meu público. Às vezes aparece uma nova e eu vou atrás para entender o que é.

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Participar das feiras agrega o que ao seu trabalho?

A feira serve para divulgar o meu trabalho. Tenho clientes que vão às feiras nas quais participo para ver o que tenho de novo. Mas acontece uma coisa muito interessante: mais ou menos 40% das pessoas param e falam “Olha o carimbinho!” e aí eu mostro por que o meu carimbo é legal. Dessa porcentagem, “x” pessoas perguntam se eu faço carimbo personalizado e “y” entram em contato comigo na semana seguinte. Assim, eu faço de 4 a 5 carimbos por semana.

 

Além disso, a feira serve como exercício para entender o que está mudando em relação ao pictórico mesmo. De tempos em tempos – ainda não consegui descobrir bem de quanto em quanto –, os desenhos do momento mudam. Por exemplo, teve uma febre de peônia. Só vendia a tal da peônia. Agora quem vende é a gardênia – mas quando tiro a peônia aparece alguém que acha ruim. Então é muito legal porque ocê começa a entender que algumas coisas têm de ficar. Elas são o básico, sempre vai ter alguém que vai querer. O botânico, por exemplo, sempre vende. O que tenho de entender é qual é a próxima onda. Então estou sempre pesquisando. Faço pesquisa de decoração, bordado, tricô, que são coisas que eu gosto, para ver o que está aparecendo de desenho ou de “maniazinhas”, e aí começo a entender o que está por vir.  

 

Quem é o seu público?

Tem criança... mas quem compra mesmo são os pais. No geral, meu público é feminino e eu diria que ele tem entre 18 e 36 anos. Gostam de coisas artesanais e procuram singularidade. Então eles vão atrás de um carimbo para chamar de seu, para ser único.   

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Quais as desvantagens de participar de uma feira?

Acho que é muito pessoal. Eu, por estar mais velha, fico mais cansada. Gosto de chegar cedo, achar um lugar para o carro, ir trazendo as coisas devagar, e então começar a montar no horário pedido, mas com calma. Mas isso sou eu. Minhas coisas são muito pesadas. Então o que é chato é o volume de coisas que eu tenho de levar e o peso. Isso cansa mais do que ficar lá. O ficar lá eu acho muito prazeroso. Conheço gente, fico trocando com as pessoas. Acho gostoso, não acho ruim, não.    

 

Além das feiras de nicho, a Kikaps Papers vende através de seu site e Instagram. É possível encontrar os produtos da marca na Casa Jardim Secreto e na Novelaria – Knit Café.

 

Ouça aqui podcast realizado pela feira Fair&Sale com a Kikaps Papers e as marcas É Brownie e Quituteria sobre sua experiência nas feiras. 

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SOBRE PROCESSOS E RELAÇÕES

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Jouer Couture – transformação nas marcas

A multiplicação de feiras de economia criativa e consumo consciente pode promover, bem como refletir, uma mudança de comportamento no que diz respeito ao ato de consumir. Buscam-se produtos elaborados de forma responsável, sustentável e atenciosa. Do mesmo modo, é possível dizer que essa mudança de comportamento, no entanto, não se dá apenas no público, mas também naqueles que estão do outro lado do processo: os produtores e suas marcas.

 

Os empreendimentos criados mais recentemente têm a oportunidade de, do zero, desenvolver um processo de produção vinculado aos conceitos do feito à mão, da sustentabilidade e da economia colaborativa e solidária – desde a escolha das matérias-primas utilizadas até a entrega ao consumidor final. Outras, porém, precisam se renovar, transformando processos, para enfim se encaixar nesse atualizado modo de produção e comercialização. Foi o caso da Jouer Couture, selo de roupas criado em 2013 por Carol e Mariana.

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Mariana e Carol, criadoras da Jouer Couture (foto: Caetana Filmes).

Como nasceu a Jouer

 

A marca surgiu do mesmo modo como muitos outros projetos: fruto da insatisfação com os sistemáticos padrões do mercado de então. “Na época, não existiam muitas marcas aqui no Brasil. Não tinha Topshop, não tinha Forever 21. Nós víamos que nossas amigas compravam muita roupa em sites gringos e que, muitas vezes, essas compras acabavam presas nos Correios etc. Aí pensamos: vamos trazer esse dinheiro para o mercado nacional, vamos fazer essas roupas aqui. E a Jouer nasceu com esse propósito”, contam Carol e Mariana.  

 

Quando tudo começou, no entanto, o plano não saiu como o esperado. “Nós continuamos com alguns vícios do mercado corporativo”, contam. Depois da faculdade de desenho de moda, Carol trabalhou com estilismo e figurino, enquanto Mariana atuou nas áreas de styling em revistas e campanhas publicitárias. “Nós não tínhamos um processo criativo legal. Nós partíamos de uma planilha onde precisava ter X peças de determinado modelo, Y peças de outro. A gente começou a reproduzir esse tipo de metodologia de trabalho e o que aconteceu? A gente se frustrou. E chegamos a ponto de não conseguirmos usar nenhuma peça que a gente produzia, não era a nossa cara”. Tais questões, atreladas a problemas com os fornecedores de então – que priorizavam outros pedidos e atrasavam a produção da Jouer –, levaram Carol e Mariana a parar tudo e, por um ano, repensar a marca em seu todo.

No infográfico a seguir, conheça o atual processo de produção da Jouer Couture, da criação à entrega do produto ao cliente.

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o que é economia solidária?

Ciclo econômico cuja valorização maior é a

do ser humano e não do capital. Alternativa

que busca a inclusão social e tem como princípios a autogestão, a democracia, a cooperação, o respeito à natureza, o comércio justo e consumo solidário. Saiba mais sobre o conceito desenvolvido pelo economista Paul Singer em matéria realizada pelo Nexo. 

Momento de mudanças

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Foi o ponto da virada. Priscila Cortez, produtora da marca de bolsas Maria Tangerina, apresentou a economia solidária à Jouer, através da Rede Design Possível, associação que integra coletivos, grupos, empreendimentos e cooperativas que possuem como linha condutora a transformação social e/ou ambiental. Foi assim que Carol e Mariana conheceram dois grupos que trabalham com elas até hoje: o Pano pra Manga, responsável pela produção, e a Santa Costura, que desenvolve a modelagem e a pilotagem das peças. “A gente teve muita afinidade. As meninas [dos coletivos] são supercomprometidas e transparentes. A gente gosta muito de trabalhar dessa maneira”, contam. Além dos dois grupos, a Jouer trabalhou por muito tempo com seu Zé, alfaiate da cidade de Carol, Andradas, em Minas Gerais. “Ele é supertalentoso, bem tradicional, tem um trabalho impecável de alfaiataria”. A parceria só teve fim porque a idade e problemas de saúde o impediram de continuar a costurar.     

 

A mudança na Jouer, para elas, começou deste modo: amparada pelo pilar da sustentabilidade social. “Depois disso, a gente foi mudando a nossa vida pessoal, nossos hábitos de consumo e as maneiras de coexistir em sociedade. Entendemos que algumas mudanças eram essenciais e urgentes. Isso foi se dando a cada série, sem grandes ambições.” No início, por exemplo, a matéria-prima não era 100% sustentável. “Na série seguinte, usamos em todas as peças tecido de reaproveitamento ou algodão orgânico. A ideia é a cada série dar um passo além, implementar novas matérias-primas, novas técnicas.” Além disso, a marca rejeita o termo “coleção”, muito usado no universo da moda, referente a um conjunto de peças apresentado normalmente a cada duas estações. “Nós lançamos uma série por ano, sempre no Brasil Eco Fashion Week – a primeira semana de moda sustentável da América Latina. Ao longo do ano lançamos produtos muito pontuais, colabs etc. Isso porque entendemos que é um desperdício de tempo, dinheiro e matéria-prima produzir peças que não são extremamente relevantes”.

 

Metas

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Hoje, os objetivos de Carol e Mariana são muito maiores. “A sustentabilidade ainda tem uma carinha rotulada – ou é mais hippie ou são só tons terrosos. A gente quer desconstruir essa cara. A sustentabilidade é basicamente uma maneira limpa de trabalhar. Não é um nicho de mercado, é algo necessário. Precisamos mudar o modo como produzimos e consumimos moda. Isso é fato.” Para isso, as duas apostam no acesso à informação e compartilham suas experiências e os resultados de suas pesquisas em seu blog e através do curso Ética e Sustentabilidade: da Teoria à Prática. “A gente acredita na moda como uma plataforma de transformação. É possível mudar o mundo através dela porque é a nossa forma de expressão mais acessível. Todo mundo se veste, se pinta através dela.”

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Desfile de lançamento da série Santa Marginal, da Jouer Couture, no Brasil Eco Fashion Week.

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